terça-feira, 11 de setembro de 2012

=`s

Um texto sobre um menino japonês e uma menina latino-americana que, ao se encontrarem, descobriram mais igualdades do que as diferenças sociais e geográficas, que pareciam limitá-los. 

Morei com um japonês. Falava pouco inglês e era difícil para nós nos comunicarmos. Então sorríamos reciprocamente nas primeiras horas.

Na manhã que acordei e encontrei- o na cozinha ele pediu minha faca emprestada e depois queria usar meu prato. Expliquei para ele que nossas culturas eram diferentes e que apesar de ele não estar entendendo, o porquê, não poderia comer no mesmo prato que eu, desejaria que ele usasse sua própria faca e alcancei a ele um dos pratos da pilha que estava a nossa frente. Mesmo assim ele fez questão de usar a minha faca. Enchi minha boca de pão e olhei para o Tommo com cara de joelho - sem expressão alguma, pensando “Queres usar minha faca?! Usa. Não estou nem aí, pois meu ônibus já está vindo”. Saí correndo na direção do ônibus que cantava o ruído sempre igual.

Nas nossas conversas pela casa, quando eu entendia as coisas, dizia: “Hm”. Quando o Tommo compreendia, dizia: “óóóóóóóóóóóóóóóóóóóóóóóóóóóóóóóóóóóó...” (não parava nunca). Assim vivíamos, entre “hm`s” e “óóóóóóóóóó...`s” intensos nos diálogos.

Nossas diferenças ficaram pequeninas no dia 11 de março de 2011, quando a Tsunami no Japão atingiu a casa de Tommo. Foi um sentimento de igualdade. Ninguém poderia entender a dor e o pânico que aquela criaturinha sentiu naqueles dias tristes. Com seus olhinhos puxados, alto e magro, sem gostar muito de banho e que quando o fazia, usava, sem pedir, meu sabonete - o que sempre me causava um estresse enorme - naquele momento em que a água da onda gigante arrastou aquela cidade que eu não lembro o nome, abracei ele como se fosse um irmão. O abraço foi ficando cada vez mais forte, já que não havia palavras que pudessem magicamente mudar a situação.

A maioria das culturas orientais não estão acostumadas com o toque: não rola abraço, aperto de mãos e muito menos beijo na bochecha. Mas foi de mais aquela notícia, minha pernas andaram sozinhas, minha meia deslizou e eu quase caí quando dobrei na porta do quarto do Tommo, então me segurei na porta do quarto e sem pensar nada, naquela fração de segundo, abracei o menino japa. Eu apenas expliquei que abraçar era parte obrigatória da minha cultura, como na dele, era normal comer no mesmo prato. Ele fez um “óóóóó...” no meio ao seu rosto fechado de tanta dor e molhado das lágrimas. Nos igualamos porque eu me coloquei no lugar dele e pensei que poderia ser eu a estar perdendo minha casa e família. Os dias passaram, o desespero passou, porque, graças a Deus, Tommo recebeu notícia do governo japonês que sua família tinha se salvado.

Iguais. Eu e Tommo éramos iguais, e não havia diferenças que nos fizessem ficar diferentes. Éramos seres que sofrem e amam do mesmo jeito. Um lá do Japão que queria comer no mesmo prato que o meu e eu aqui do Brasil, que fazia questão de tomar banho. Somos iguaizinhos. Nos unimos depois desse dia, depois Tommo foi embora. Nunca mais reclamei do sabonete nem da faca que o Tommo usava, apenas lembrava aquele japonesinho dócil e pensava nas nossas igualdades tão imensas perto das diferenças.

平等 
Bruna Moraes

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