sexta-feira, 27 de julho de 2012

Stanley Kubrick e a inovação

O cinema nunca mais foi o mesmo depois dos filmes dirigidos pelo perfeccionista Stanley Kubrick

Em 26 de Julho, Stanley Kubrick completaria 84 anos se estivesse vivo. Para celebrar essa data, será interessante mostrar um pouco de sua filmografia e quem foi esse gênio da sétima arte.

Kubrick nasceu em 1928 no Condado de Bronx, em Nova Iorque. Nunca foi um estudante aplicado na infância. Suas notas eram relativamente baixas e ele não costumava fazer as lições. Mas seu pai percebia que, apesar da irregularidade de sua vida estudantil, ele possuía uma mente criativa e que precisava ser encorajada. Seu pai então ensinou-o a jogar xadrez e o filho viraria um especialista. Também foi ele quem deu a primeira máquina fotográfica a Kubrick.

A trajetória como cineasta começou aos 22 anos, realizando curta-metragens. O primeiro longa foi aos 25, com grande auxílio financeiro do pai, mas o próprio Kubrick considerou um trabalho amador e tratou de tirá-lo de circulação.

O Mesmo aconteceu com seu segundo filme, mas no terceiro, O Grande Golpe, ele começou a ganhar notoriedade. Glória deita de Sangue (1957) foi uma adaptação da novela homônima e era claramente antiguerra, mostrando a covardia e a sede de sangue das pessoas envolvidas. Por isso, esse filme foi proibido em alguns países, como a França. Mas atraiu olhares e ganhou popularidade. Nos anos seguintes, Kubrick foi se especializando e acabou desenvolvendo clássicos atrás de clássicos.
A seguir, a sinopse e uma breve análise de alguns de seus filmes mais importantes em ordem cronológica.
Lolita (1962) - A adaptação de Kubrick para o romance de 1955 do escritor russo Vladimir Nobokov sobre uma relação entre um homem de meia-idade e sua enteada de 12 anos. Apesar de originalmente ser uma produção que mostraria uma clara situação de pedofilia, a censura da época fez com que houvessem apenas sutis sugestões de um envolvimento sexual. O que não diminui o erotismo e a tensão de um "amor proibido". Uma das cenas mais lembradas do filme é de Humbert (James Manos) pinta as unhas dos pés de uma provocante Lolita (Sue Lyon). As curiosidades do filme é que ele não segue ao pé da letra o romance russo, além da questão da pedofilia. O filme não acontece pela ordem cronológica, o que origina um grande flashback. Outra diferença é a idade de Lolita, que no filme ela tem 14 anos para diminuir o "choque" da relação.

Dr. Fantástico (1964) - Esse é uma obra-prima, repleta de humor negro e piadas sobre planos de guerra, política e bomba atômica.

Quem se destaca é o genial Peter Sellers de Um Convidado bem trabalhão e Pantera cor-de-rosa. Sellers não é só o protagonista, divide-se em papéis totalmente diferentes. Charlie Chaplin, por exemplo, já fazia isso em filmes como O grande ditador, mas não sendo tão diferente na interpretação dos personagens.
 
O detalhe é que Sellers interpreta não dois, mas três personagens. Destaque para o braço incontrolável do Dr. Fantástico, que faz a saudação nazista como um "tique nervoso". O filme é baseado no romance Red Alert, de Peter George, sobre a Guerra Fria. O filme satiriza o horror causado pela ameaça da bomba nuclear de uma forma irônica e sagaz. A genialidade de Kubrick é explorada de forma mais intensa que em Lolita. Talvez, esse seja um dos filmes mais irônicos do cinema, mas é preciso prestar atenção para "pescar" as piadas mais sutis.

2001 - Uma odisseia no espaço (1968) - Admito que esse nunca esteve entre meus favoritos, mas a sua importância para o cinema é inegável. Para ver esse filme, é preciso se deixar levar pela imaginação e pela outra dimensão captada por Kubrick por meio dos sons e luzes. O tema central é a evolução humana e o futuro, com as novas descobertas tecnológicas e realismo científico. Ele possui pouco diálogo e as imagens são ambíguas, com uma fotografia de brilhar os olhos e sons intensos como uma ópera. A transição do osso para a espaçonave (do macaco para o homem) é algo que demonstra as mudanças que a humanidade passou nesse filme quase surrealista de ficção-científica. O destaque vai para o computador HAL, ironicamente, o personagem mais carismático e divertido.

Laranja Mecânica (1971) - Esse é um dos filmes com mais repercussão de Kubrick e do cinema mundial. Isso com um orçamento de U$ 2,2 milhões, considerado ínfimo se comparado a outras produções que não chegaram perto do alvoroço causado por Laranja Mecânica. O protagonista interpretado brilhantemente por Malcolm McDowell ficou eternizado pelo personagem. Ambientado na Inglaterra do futuro, Alex é líder de uma gangue que sente prazer em estuprar, roubar, agredir e causar todo o tipo de baderna. Com seus visuais excêntricos e seu linguajar próprio, a gangue dele é adepta da ultra-violência (que depois se tornou um estilo próprio de filmes, como Clube da Luta e os de Tarantino). Alex é muito carismático e igualmente malévolo. No filme, ele comete o estupro como se estivesse dançando com a vítima, chicoteia Jesus Cristo e é torturado por policiais. Alex acaba apreendido após um assassinado e é submetido a experimentos para controlar os seus desvios delinquentes. É uma obra que mostra a violência do indivíduo e do Estado. Destaque para a sonoridade do filme, o protagonista não consegue ouvir a Nona Sinfonia de Beethoven depois de ser cobaia. Bethoveen, aliás, era a música de fundo das cenas de estupro. Ele também destrói um lugar cantando "Singing in the Rain". Esse recurso de colocar músicas em conjunto com um ato estranho à ela, foi usado por Kubrick em outros filmes.

Barry Lyndon (1975) - Esse provavelmente é um dos filmes menos aclamados de Kubrick, mas é uma obra-prima que vale a pena assistir. Os 184 minutos de duração são de pura arte e atuação. Baseado no romance de William Makepeace Trackeray. A iluminação foi feita com velas e luzes naturais. Kubrick teve que utilizar uma lente da NASA para conseguir o efeito desejado. Esse é um épico que retrata a ascensão e queda de Barry Lyndon. Redmond Barry é um jovem pedante irlandês que se apaixona por sua prima, já comprometida. Barry refugia-se em Dublin e ingressa no exército, após algumas batalhas, é capturado e acaba se tornando espião da Prussia. Lá, ele tem um caso com a Senhora Lydon, que pode enviuvar a qualquer momento. Assim, ele começa a atingir a aristocracia que tanto almejava.

O filme mostra como a vida de um rapaz sobe e desce de forma intensa, captando todos os momentos com maestria. É uma obra metódica. Alguns críticos chegaram a dizer que Barry Lyndon não é apenas um filme, e sim um livro ilustrado, de tão grandioso. 

O Iluminado (1980) – Agora, sou suspeito para falar, já que esse é um dos meus favoritos. É uma adaptação do livro homônimo do Rei do Terror, Stephen King. Jack Torrance (interpretado de forma genial por Jack Nicholson, que, com suas caretas e seu jeito para interpretar psicopatas alucinados, como em Um estranho no ninho, ganhou notoriedade) é um escritor que leva a mulher e o filho para viver em um luxuoso hotel nas montanhas, fechado no inverno. Lá, ele trabalhará como caseiro. O hotel esconde segredos terríveis e, aos poucos, Jack vai ficando mais insano. Deu filho, Danny, começa a ter visões e a falar com vozes e a esposa acaba tendo que lidar com o terror do lugar. Banhos de sangue, possessões, gêmeas estranhas, um quarto proibido e a cena clássica da machadada na porta são apenas alguns ingredientes desse clássico do terror psicológico. Um detalhe que muitas vezes é passado por cima são as menções ao massacre da população nativa americana. O hotel foi construído em cima de um cemitério indígena, há latas de fumo indígena na despensa e o baile-fantasma acontece em 4 de Julho, dia da independência dos Estados Unidos.

Nascido para matar (1987) - Poderia ser apenas mais um sobre a Guerra do Vietnã, se não fosse a genialidade de Kubrick. Dividido em duas partes, ambas contadas sob o ponto de vista do soldado Joker, Coringa, em bom português. A primeira mostra o recrutamento de jovens para o exército sob a tutela do rígido e intimidador sargento Hartmann (parodiado várias vezes em desenhos e outros filmes). Lá, um dos jovens não está apto para servir. Ele está fora de forma, desajeitado e muito atrás dos outros, que acabam sendo punidos também pela falta de comprometimento de seu colega. A segunda parte mostra a guerra, com Joker como correspondente de um jornal militar, cobrindo o confronto junto de outros soldados. 
A primeira parte, na minha opinião, é infinitamente melhor, pois Gomer Pyle e o sargento Hartmann roubam a cena, são personagens memoráveis e com atuações maravilhosas e intensas. Justamente na primeira parte, Kubrick utiliza o tema da desumanização, com soldados enlouquecendo por conta da rigidez do treinamento. A segunda parte também é interessante, e Kubrick utiliza do mesmo recurso da trilha sonora já mencionado no Laranja Mecânica. Aqui ele utiliza a engraçada e irritante Surfin' Bird, conhecida popularmente como Bird is the word do The Trashmen enquanto os soldados atiram contra os vietnamitas. O penúltimo filme de Kubrick é uma grande crítica aos americanos, principalmente pelo irônico cântico dos soldados no final. 

De olhos bem fechados (1999) - O último filme de Kubrick foi filmado 12 anos depois e é um thriller sexual. Novamente o cineasta mostra a sua paixão pela música clássica por meio da Valsa 2 de Shostakovich, parte da trilha sonora do filme. A história mostra a mentira da sociedade e as vidas secretas. As pessoas usam máscaras para esconder a sua verdadeira natureza. Inspirado no Breve romance de sonho, de Arthur Schnitzler, a história mostra um casal da alta sociedade, Alice Harford (Nicole Kidman) e Dr.Bill Harford que têm vidas "perfeitas". Até que eles vão para uma festa e Bill é paquerado por modelos e Alice por um húngaro. Eles acabam discutindo e jogando na cara um do outro a raiva reprimida, e Alice diz que deveria ter ficado com um homem que ela havia conhecido no passado. Dr. Bill acaba se tornando melancólico e procurando se conhecer, com seus desejos mais íntimos. Nesse momento, surpreendentemente, um amigo médico inclui Bill em uma estranha convenção restrita, um universo singular e secreto que possui membros mascarados, senhas e rituais estranhos. Esse é um filme para se assistir atentamente e fecha com chave de ouro a brilhante trajetória de Kubrick. Ele morreu em 7 de março de 1999 de ataque cardíaco, pouco antes da finalização e do lançamento do filme. A genialidade do olhar atento de Kubrick e seu estilo totalmente único e inovador nunca mais foram esquecidos.

Felipe Kowalski

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