“As pessoas morrem quando você as apaga da sua memória”, dizia Millôr Fernandes. Em meio às tantas frases de sua autoria, essa me parece a mais sábia nesse momento. Afinal, quem conseguirá apagar da memória o brilhante, multitalentoso e bem humorado Millôr Fernandes? É impossível. Logo, Millôr está vivo. E, de certa forma, isso é verdade. Ele está vivo em cada um de seus textos, poemas e frases; também está presente em seus livros e em seu blog. Assim, como disse Ruy Castro, colunista da Folha, podemos “acessar” Millôr. Só não podemos explicá-lo. Mas quem disse que precisamos ser entendidos para sermos lembrados?
Millôr nasceu Milton Viola Fernandes, em 1924 (alguns dizem que foi em 1923 e a própria família nunca chegou a um acordo). Anos depois, quando olhou a sua certidão de nascimento, percebeu que a caligrafia do escrivão dava ao T um aspecto de L e ao N uma cara de R. E é aí que nasce o Millôr que conhecemos.
Com apenas 14 anos, em 1938, Millôr entrou no Liceu de Artes e Ofícios e começou a trabalhar na revista “O Cruzeiro”. Lá, ele se tornou um dos principais nomes do jornalismo e das artes no Brasil. Ele era um monte de coisa: jornalista, desenhista, escritor, pintor, tradutor, autor teatral, apresentador de TV. Seu característico humor nunca foi um fim – era o meio encontrado por ele para dizer o que pensava. Deixou vasta obra, que ilustra sete décadas da vida cultural, social e política do Brasil. Não tinha uma frase dele que não ajudasse a compreender o nosso país e também o mundo.
Era um apaixonado pela praia. Bom nadador, dizia que sua vocação "sempre foi o esporte" e que era "um atleta frustrado". Segundo ele, era o inventor do frescobol. Morou em Ipanema de 1954 até a última terça-feira (27), quando morreu, de falência múltipla dos órgãos. Millôr sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) em 31 de janeiro de 2011. Ficou internado até novembro, quando foi transferido para sua casa.
De uma coisa podemos ter certeza: se ele era frustrado no esporte, no restante a história era bem diferente. Premiado como desenhista (ao lado de seu ídolo, Saul Steinberg), requisitado como tradutor (traduziu nada menos que Shakespeare, Sófocles e Bernard Shaw) e considerado uma referência intelectual, sua obra singular e popular conquistou milhões de leitores nos últimos 70 anos. Ruy Castro escreveu certa vez que “todos os pensadores internacionais batidos no liquidificador não dariam meio copo do Millôr”. Ele era um gênio. E ponto.
Mas até gênio tem problemas. E Millôr teve vários ao longo da sua carreira, muitos envolvendo a política. O presidente Juscelino Kubitschek, por exemplo, censurou seu programa na TV Tupi e os militares atacaram “O Pasquim” (que Millôr ajudou a criar) na ditadura. Fiel aos seus princípios, Millôr não buscaria indenizações pelas perseguições durante o regime militar e criticou quem o fez: “quer dizer que aquilo não era ideologia, era investimento?”, disse ele na época.
Perdemos, em um mesmo mês, a graça de Chico Anysio e de Millôr Fernandes. Março não foi um mês muito engraçado. Mas pelo menos hoje é primeiro de abril, dia da mentira, dia das piadas, dia do humor. Tudo recomeça. E nada melhor que uma boa risada para marcar um recomeço. E vamos homenagear Chico e Millôr com um humor inteligente, espontâneo e original, como eles nos ensinaram a fazer?
Bruna Carolina
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