sexta-feira, 16 de março de 2012

Sujeitos a sujeira

Há um estranho desejo de limpeza que nos ronda, uma vontade humana de varrer, com nossa hipocrisia, toda lambança para debaixo do tapete, uma essência, que na verdade, nos protege de estranhamentos que um código social não aceita tão bem. Das cortes francesas e da high society inglesa aprendemos o melhor modo, para debaixo de sejas e gobelins, esconder nossa preciosa sujeira. Antiquados códigos de etiqueta, de três séculos atrás, que herdamos com o propósito de nunca descermos do salto, diga-se de passagem, coisa que Louis XV fez muito bem.

Dessas cartilhas de damas e cavalheiros construímos nosso melhor lobby, criamos com elas nossas mídias esterilizadas e maquiadas, e nossos ídolos e representantes, feitos em si o supra sumo do aprazível, sempre expostos de cabelos sedosos e ternos italianos.

Minhas intenções não são falar de carisma ou estranhamento estético, por mais que permeiem o assunto, essas divagações me ajudam a chegar ao ponto em que desejo. Simplesmente quero dizer que aprendemos com esses personagens, não só como proteger-se de um exílio social, fomos muito além, fecundamos modos de nos engrandecermos.

Escondemos nossa sujeira no obscuro de nossa imaginação, compreensivelmente, assinamos desse modo, o contrato social para vivermos em harmonia com os outros. Não há novidade em dizer que somos sujos por natureza, Oscar Wilde, ou até mais aquém, com Boccaccio, são exemplos que conseguem nos mostrar isso com maestria; mas nada disso é uma questão de imoralidade, e sim, de amoralidade. Não vemos mal no lixo que já está dentro de nós, mas adoramos aconselhar, a nossos iguais, uma boa limpeza.


"O homem passa do fedor da fralda a catinga da mortalha" (A grade ilusão; 2006.)

Na água limpa que nós bebemos há impurezas, igualmente como no ar que respiramos, e é justamente isso, que não só nos faz mais fortes, como guarda os segredos químicos de nossas vidas. A nossa sujeira intrínseca é basicamente humana, ego, super-ego e ID, trabalhando em consonância. Afinal, até mesmo as mais belas pérolas e diamantes, não passam de simples sujeiras de milhões anos.

Todavia, alguns gostam de engrandecer uma moral desumana, artificialmente limpa demais, essa mesma moral que só é pedida pelos grandes valores de massa. Não fume! Não beba! Não xingue! Não fronique! Valores vãos apoiados em crendices. Um véu moral usado para subir em um pedestal, e de cima, enxergar somente o que o nebuloso têxtil nos permite.

Este estado está além do abstrato medo da aceitação, e de ideologias que nos foram transmitidas na flor da idade. A obsessão por mostrar uma limpeza interior vem ligada a remorsos e receios, querendo com essa moralidade mostrar-se melhor, ou alcançar redenção. O auto-afirmar-se agindo de forma exterior, com poses e frases prontas, renegando-se a enxergar com limpidez, mas defendendo sempre fazê-lo.

Renegar nossas sujeiras é vendar-se, deixar opaco, travestir o medo com as melhores formas e ciências prontas. Ao final, a sujeira ponderada é a forma mais limpa de vivermos.


Gessony Pawlick Jr.

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