segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Carla Carlinha Carlota

Bem-vindos ao admirável mundo de Carla. Você conhecerá carlinha, que nasceu na década de 70 no Rio Grande do Sul. Ao lado dos dois irmãos recebeu a educação igualitária dos pais. De mãos dadas a uma boneca, deu os primeiros passos. Conhecerá as primeiras escolhas da adolescência de Carla que refletem no presente. Terá a possibilidade de prever como estará velhinha e saberá quais as possíveis escrituras de seu epitáfio, quando, por força de idade, chamar-se-á Carlota.

Dentro do quartinho de brinquedos, na casa que ficava em território gaúcho, Carlinha estava com os irmãos e cercada de brinquedos que, por determinação dos pais, ficavam naquele lugar para não bagunçar os demais cômodos. Entre todas as bungingangas a criança tinha preferência por uma. Ela mesma descreve.



Uma boneca de plástico, bem vagabunda. As mais vagabundas que existem (Entenda simples). Ela prossegue. Eu tinha várias bonecas que ganhava de parentes, mas gostava daquela. A mãe de Carlinha costumava selecionar brinquedos do quartinho para doar e a boneca foi uma das escolhidas. O sumiço deixou a pequena angustiada.
_ Mãe, nem sei por que gostava tanto daquela boneca, disse desesperada.
_ Ah! Mas essa aqui é melhor, tentou acalmá-la a mãe.
_ Mas eu gostava daquela, insistiu.
_ Então vou te explicar: tu começou a andar com aquela boneca. Todos te pegavam pela mão e te faziam andar. Um dia passeando contigo, uma tia te deu a boneca e cada uma a segurava. Tua tia te largou e você andou, esclareceu a mãe para Carlinha que explicou para mim e explico ao mundo.

Apesar da tristeza, não questionou a decisão da mãe. Aliás, ela procurava atender à educação dos pais, presentes no crescimento dela e dos irmãos mais novos. Por esse motivo, conta que na escola aprendeu apenas a matéria, nada mais. Adolescente obstinada, Carla escolheu Raul Seixas como ídolo em detrimento a Xuxa de quem era fã na infância. Agora, ingressaria no ensino superior. E por que não em dois cursos e trabalhando?

O pai, advogado, queria que ela fizesse medicina. Um momento de dúvida e a adolescente não sabia: medicina? Direito? Psicologia? Formar-se em medicina e se especializar em psiquiatria? As vésperas do vestibular, uma enorme perda, a morte do pai. Abalada, fez a prova para a Universidade Federal do Rio Grande do Sul e passou para no curso de filosofia. A mãe queria mais.

Filosofia não enche barriga, vais fazer Direito também! Eu pago, pressionou a mãe.

Pela manhã estágio, à tarde curso de Filosofia na Federal, à noite Direito na Universidade Luterana do Brasil (ULBRA). Mais tarde, mudou a faculdade de direito de endereço e da ULBRA passou a estudar na PUC.

Na faculdade, uma coisa me marcou: sentia-me peixe fora d’água no Direito. Não pelo curso em si, mas pela universidade, que era privada. Nem fiquei na Luterana por muito tempo, queria ir para a Federal que eu não tinha conseguido passar. Daí pensei, mas nessa aqui não vou estudar, aí fui para a PUC. Até porque lá tinha vestibular a cada seis meses e a Federal era só uma vez por ano. Fiz e passei. A PUC era muito menos de filhinho de papai. Só que senti um contraste muito grande. Ia à faculdade de filosofia e todos sentavam na grama, liam, perguntavam para o professor e no direito era tudo organizado, tinha ar na sala, quadro branco. Era mais sofisticado. O professor falava e o pessoal distribuindo convite para festas e as menininhas olhando o espelho e se maquiando. ninguém nem aí. Vi o contraste da universidade que não tinha recurso nenhum que era tudo precário, mas todos interessados, questionando se preocupando com a vida, com a realidade. E a outra um castelo, um palácio, mas ninguém tinha interesse, os interesses eram outros, aponta Carla. Notei alguma semelhança com o que acontece hoje. Mas não importa.
Por dois anos, permaneceu em dura rotina, mas segundo ela, a imaturidade mudou o curso de sua vida. Deixou a faculdade de filosofia a fim de buscar independência financeira. Hoje, ela mesma ironiza: imagina, se naquela época com um salário de estagiária eu iria conseguir a minha independência.

Hoje, formada em direito atua como assistente na Gerência de Auditoria do Banco do Brasil, em Florianópolis. É professora de direito pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). E consciente do próprio potencial humano, vislumbra cursar psicologia.


Gosto do banco. Tô num lugar tranquilo, mas não é meu ideal de vida. Gosto de uma coisa mais humana acho que o banco, tudo bem, tem ética, se preocupa com isso, está desenvolvendo algumas ações de responsabilidade socioambiental, mas na verdade, não é tão humano, é uma empresa, quer lucro, quer resultado financeiro, e eu gostaria de trabalhar por um objetivo maior, fala sobre o presente.
Eu tô pensando seriamente em fazer o curso de psicologia porque gosto de dar aula e tenho perfil de psicóloga. Vejo que as pessoas vêm conversar comigo, volta e meia tô numa situação que alguém tá me contando um problema e vou fazendo perguntas para a pessoa refletir e depois ela volta para falar comigo. Parece que funcionou e de algum jeito eu ajudei. Gosto muito de estudar o comportamento das pessoas, observo bastante, fala sobre o futuro.


No banco, uma das funções de Carla é orientar os menores aprendizes. É assim que faz: procuro mostrar o leque de possibilidades que eles têm. Deixar claro que muita coisa depende do esforço deles. E ensinar a se tornarem pessoas autônomas, capazes de buscar conhecimento, de se tornarem incansáveis nessa busca. Acredito nisso: as pessoas podem tirar tudo da gente, podem tirar roupa, bens materiais e até a dignidade com comentários maldosos, mas o conhecimento adquirido não se tira de jeito nenhum.

Agora, o ídolo é Deus, Xuxa e Raul ficam nas memórias da infância e adolescência. Além disso, a mulher está cercada de plantas, no trabalho e em casa. Por onde passar estará acompanhada do romance com Lúcio José Ericeira Everton. Ele conta qual foi a primeira impressão que teve da moça.


Apaixonante! A Carla é muito humana, não mede esforços para ajudar a todos, especialmente as pessoas mais humildes. Vegetariana, repulsa a ideia de matar animais para consumi-los. Segundo sua filosofia de vida, "não nos foi dado o direito de tirar a vida dos bichos, nem para nos alimentar". Sincera e verdadeira, amável e intensa. Uma mulher maravilhosa, linda, inteligente. A impressão sempre foi a melhor possível, melhorando sempre, a cada dia, afirma Lúcio. Resta alguma dúvida da cumplicidade entre eles?

Mas e os herdeiros do casal? Recordou-se de uma recente tristeza, mas logo pôs o sorriso no rosto a fim de enfrentar quaisquer percalços. Filho!? Quando eu conseguir. Tentei há pouco tempo e não deu. E tenho que superar. Fazer o quê? Não posso mudar. Posso mudar só minha postura diante da vida. Poderia ficar me lamentando e achando que sou uma vítima, mas não adianta não vai mudar nada. Só atrasar minha recuperação e planos para uma nova tentativa.

E relação com os familiares? Como está? A mãe de Carla ainda vive no Rio Grande, mas se falam todos os dias. “Agora ela está hi-tech com um I-pad. Tecnologia aproxima as pessoas distantes e afasta as próximas. É o paradoxo da tecnologia. Não estou fisicamente perto, mas estou perto. Minha mãe é uma pessoa com quem converso sobre tudo, minha irmã, meu irmão também. Tenho amizades boas de muitos anos também.


E falou dos prazeres: as plantas; o amor da minha vida, lindo, querido que está sempre comigo; livros. Encerra dizendo que quando morrer deixa os filhos, os livros, enfim, não estava muito preocupada com esse futuro distante. Percebendo que o papo acabaria, pedi a ela que deixasse uma mensagem a alguém. Carla escapou: Um recado para alguém? Pra ninguém, mas pra todo mundo: seja a mudança que você quer ver no mundo. Depois ela me confessou que copiara de Gandhi. Na hora esqueci, mas agora aponto: que seja esse o epitáfio de Carlota.


Nesse último parágrafo, despeço-me de Carlota e das semanas em que me aventurei neste insano vício de escrever. Admito: Carla tem muito a ver com isso tudo. E explorando seu admirável mundo, suplico a existência de mais e mais segundas-feiras. Sento, festejo e aguardo a virada do ano angustiado por conhecer outras belíssimas histórias que partilho pelo seguinte motivo: pessoas especiais não podem privar o mundo da sua importância.

Nícolas David

Um comentário:

Eliseu David disse...

Bom texto. Bela Historia.