Claudia Reis
Geralmente lembrava de passar a manga da blusa pela boca quando me aproximava das pessoas, mas esquecia de limpar os pés. O barro com que construía e reformava a minha casa ia se soltando dos sapatos aos poucos, deixando rastros de terra, grama e instinto, e eles deduziam então que eu vivia na periferia da cidade.
Quando pequeno, chapinhar nas poças não causava estranheza; havia
várias outras crianças que gostavam de dançar sob a chuva. Depois que cresci é
que o hábito passou a desencadear risos e comentários, feitos também pelos
adultos que um dia compartilharam aquelas poças comigo.
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Pescadores da Ilha de Santa Catarina preservam um costume praticado
pelo mundo todo: eles passeiam com seus passarinhos. A gaiola vai apoiada na
mão, como se fosse uma bandeja, ou no guidom da bicicleta. É importante para o
bichinho ver o céu, sentir a brisa, observar as árvores, as outras aves e a
mudança da paisagem, e seus donos se preocupam com suas necessidades. Eles
querem o melhor para os passarinhos queridos, e muitos deles realizam as
caminhadas porque assim a ave canta melhor. Quando é manhã cedinho, ou o dia já
vai embora, a grade segue coberta pelo caminho, a fim de não importunar o
bichinho que supostamente dorme.
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Já fui pássaro um dia.
Guardar minhas penas por baixo das roupas até que era fácil, mesmo
durante o verão. Difícil era conter a vontade de sair voando. Muitas vezes tive
que disfarçar o início do voo com tropeções desastrados. Depois dos trupicos,
me aprumava e fazia força para manter os pés no asfalto. É que eles não
entenderiam. Ninguém podia entender.
O farfalhar das penas ao toque agreste do vento não é a sensação mais
especial que se tem ao voar. O silêncio, este sim, é quem chama ao encontro das
nuvens quando o barulho das fofocas e das mesquinharias no escritório se torna
mais que enfadonho.
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O mundo dos homens não é o único a conferir distinção a partir das
cores dos corpos: pássaros como tucanos, papagaios, periquitos e araras ainda
são traficados da Amazônia para os estados do sul e sudeste do Brasil, e para o
exterior. Colecionadores chegam a pagar até R$ 50 mil por um exemplar.
As saíras, os canários e os sanhaços também são aves silvestres. De acordo com as leis do País, para engaiolar pássaros silvestres é necessário ter autorização do Ibama.
As saíras, os canários e os sanhaços também são aves silvestres. De acordo com as leis do País, para engaiolar pássaros silvestres é necessário ter autorização do Ibama.
Bem-te-vis, joões-de-barro e pardais são pássaros silvestres, mas nem
sua cor nem seu canto estridente são atrativos suficientes para torná-los alvos
mais frequentes das gaiolas.
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Já fui pássaro um dia.
E o assobio me acompanhava dia e noite. Meu cotidiano era feito de
soprar canções enquanto me arrumava, preparava refeições,
caminhava-quase-voando ao trabalho, executava tarefas burocráticas, ia ao supermercado,
pagava as contas no banco e corria os olhos pelas estantes da biblioteca.
A prática geralmente agradava quem convivia comigo, mas fui expulso de dois velórios, justamente quando assobiava com mais entusiasmo; num deles me solicitaram gentilmente que parasse - ou ao menos assobiasse mais baixo -, mas no outro me enxotaram mesmo. Nas duas ocasiões, no entanto, pude perceber que havia os que gostariam que eu continuasse. Nenhum deles falou nada quando fui embora.
A prática geralmente agradava quem convivia comigo, mas fui expulso de dois velórios, justamente quando assobiava com mais entusiasmo; num deles me solicitaram gentilmente que parasse - ou ao menos assobiasse mais baixo -, mas no outro me enxotaram mesmo. Nas duas ocasiões, no entanto, pude perceber que havia os que gostariam que eu continuasse. Nenhum deles falou nada quando fui embora.
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Diversas foram as músicas de Luiz Gonzaga que cantaram a dor do estio e
as peculiaridades da fauna nordestina. Asa Branca mandou contar que, quando o
tempo é de seca, a ave batizada com esse nome anuncia sua chegada indo embora,
como os retirantes. Em Assum Preto, Gonzagão lamenta o destino do pássaro
negro, predestinado a cantar lindezas à custa da visão: "Tudo em vorta é
só beleza/ Sol de Abril e a mata em frô/ Mas Assum Preto, cego dos óio/ Num
vendo a luz, ai, canta de dor/ Tarvez por ignorança/ Ou mardade das pió/ Furaro
os óio do Assum Preto/ Pra ele assim, ai, cantá de mió".
São também diversas as formas de se perseguir o canto mais bonito. Há
cds com gravação de notas, que devem ser tocados por horas a fio para que o
pássaro aprenda como deve emitir o som. Muitas vezes a ave é isolada das outras
desde pequena, a fim de não sofrer interferências sonoras que influenciem seu
aprendizado.
Criadores amadoristas de pássaros são vistos como auxiliares na
preservação de espécies que correm o perigo de extinção. Vivendo em cativeiro,
as aves estão a salvo da ação destruidora do homem.
De acordo com o Ibama, criadores amadoristas, em nenhuma hipótese, deverão soltar os pássaros de sua criação.
De acordo com o Ibama, criadores amadoristas, em nenhuma hipótese, deverão soltar os pássaros de sua criação.
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Já fui pássaro um dia.
Hoje quero ser flor.
muito inspirado, professora-passarinho! obrigada pelas deliciosas horas de voo na sua leitura!
ResponderExcluirRaquel