domingo, 10 de março de 2013

O jornalismo na terra dos tamanduás

Repórter Ping-Pong


Ele nega, mas é um dinossauro do jornalismo catarinense. No seu currículo, estão registradas passagens por redações locais como O Estado e Diário Catarinense. Também perambulou por Correio Brasiliense e Jornal do Brasil. Fora da grande mídia, dirige o site UnisulHoje e a Editora Unisul. Laudelino José Sardá decidiu escrever mais parágrafos no capítulo de sua carreira ao voltar para a sala de aula. Em 2013, ele ministrará a disciplina de Jornais Impressos para os alunos do curso de Jornalismo da Unisul. Para responder toda a entrevista, ele disse que precisava de 25 horas, 31 minutos e 40 segundos, mas diante das histórias e ideias mostradas nas linhas que se seguem, ficará evidente que o papo exigiu-lhe muito mais tempo.

O professor

Repórter Ping-Pong - Você já havia ministrado outras disciplinas no curso de jornalismo da Unisul há não muito tempo atrás. Por que deixou de ministrar as aulas de Comunicação nas Organizações e por que decidiu voltar à sala de aula como professor de Jornais Impressos? Especializou-se na área?

Laudelino José Sardá - Bem, primeiro que na academia o conhecimento é que manda. Tenho livros sobre comunicação nas organizações, mas também 40 anos de jornalismo impresso. O Curso achou que eu deveria ministrar essa matéria. Achei ótimo. Os alunos vão produzir uma publicação em que deverão indicar os caminhos da salvação dos jornais impressos. Quem sabe essa juventude ensine os dinossauros a enxergar a realidade das mudanças sucessivas. O importante é que não estou levando o jornal impresso para sala de aula e sim exigindo que os alunos mostrem como enxergam esses jornais e o que sugerem para que eles tenham sobrevida. Não adianta mais glamourizar o jornalismo impresso. É necessário cair na realidade. E a garotada está com os pés fincados no chão.

Ping - Você não atua em redações há muito tempo. Acredito que a expectativa dos acadêmicos na disciplina de Jornais Impressos seja aprender com profissionais atuantes no moderno funcionamento das redações, fase da qual você não participa. Ainda assim, aceitou retornar como professor. Por que isso? Você pretende reacender em seus alunos a qualidade textual do jornalismo que exerceu e que viu sendo executado num passado nem tão distante?

Sardá - O texto jornalístico piorou com a velocidade da tecnologia. Em nossa época, produzir uma reportagem significava ir ao encontro dos entrevistados, das fontes, de biblioteca, etc. Hoje, o jornalista não larga a bunda da cadeira diante do computador. E a sua ansiedade é lutar permanentemente contra o relógio, numa sincronia infernal com a instantaneidade da informação. Com isso, ele se iguala a todos os usuários que têm o mesmo acesso à informação. Ora, se o João ou a Mariazinha passam pela BR-101 e presenciam um acidente, ele ou ela pode ligar para uma emissora de rádio, TV ou jornal online, e dar o furo de reportagem. Quero dizer que se o furo acabou para o jornalismo, logo o jornalista precisa se desacelerar para sobreviver. É preciso reacender o belo texto dos anos 1970 e 1980 para que possamos resgatar o diferencial que caracteriza o papel do jornalista. Claro que haverá novos profissionais com novos estilos e belos textos, mas é preciso investir na redação, em parágrafos agradáveis e que deixem os leitores apaixonados. Não sou dinossauro porque estou atualizado em nível de tecnologia e consciente de que os textos atuais de jornalistas na internet estão pobres pelo simples motivo de que existe a neurose de se querer concorrer com os usuários das mídias sociais.

Ping - Em 2007 você organizou o livro Da Olivetti à Internet, uma coletânea de críticas às mudanças tecnológicas na produção da comunicação. Agora, você retorna à sala da aula como professor e atuará na formação de estudantes lidando, principalmente, com a produção de textos. Seus alunos terão um computador onde mexerão no Facebook enquanto você fala, e quem sabe eles anotarão seus ensinamentos nesse mesmo aparelho. O que o professor Sardá fará para competir com as máquinas?

Sardá - Louco seria se quisesse competir com as máquinas. A tecnologia foi inventada apara trabalhar para nós e não competir conosco. Se a tecnologia foi feita para nos ajudar, com certeza não precisamos estar na sua velocidade. Ao contrário, precisamos nos desacelerar e acelerar a tecnologia. Se os alunos quiserem conviver no Facebook em sala de aula, o problema é deles. Com certeza não será pelo meu excesso de decibéis e verbologia, até porque minhas aulas exigem, sobretudo, a participação intensa deles em debates.

Ping - Os alunos de hoje, já vou logo avisando, têm pouquíssimo ânimo dentro da sala de aula. Os de jornalismo também estão febris com essa apatia. É uma doença viral ainda sem cura. Você tem algum medicamento para isso? É um cientista a inventar esse remédio? Quais são os caminhos para que o aluno sinta fascinação pela aula, já que existia tanta expectativa quando ele escolheu essa profissão?

Sardá - Discordo radicalmente dessa sua observação. Estaria a nova geração desconcentrada, desanimada ou a universidade e os atuais profissionais em zona de conforto, sem se preocupar com o que pensa as novas gerações? Ainda achamos que o jovem que não lê Machado de Assis e outros clássicos nacionais e internacionais é ineficiente e atrasado. Mas é oportuno perguntar qual a definição desses profissionais maduros e carrapateiros que não enxergam a capacidade de informação, conhecimento e de reflexão dessas novas gerações? Seriam dinossauros? Bem, no terceiro milênio não há nem espaço mais para tantos museus. O medicamento a ser inventado teria como doentes as gerações que ainda se negam a aceitar a velocidade do conhecimento. A fascinação do aluno é pela vontade, necessidade e oportunidade de se expressar. O professor que souber aprender com o aluno, com certeza, será um grande e versátil orientador.

A Carreira

Sardá na antiga redação do Jornal O Estado na rua Felipe Schmidt. Ele aparece ao centro da foto de camisa xadrez. 
Ping - Você já atuou em jornais de grande circulação, sendo inclusive redator-chefe de O Estado. Também já atuou no Diário Catarinense, Jornal do Brasil e Correio Brasiliense. Por que está fora da grande mídia?

Sardá - Eu fiz um caminho diferente. Primeiramente atuei na imprensa - jornais, rádio e tv – e depois fui disponibilizar minha experiência na academia, tanto na UFSC quanto na Udesc e Unisul. Afastei-me do dia a dia do jornalismo de mercado e fui me capacitar em nível de academia: especializei-me em jornalismo científico na Academia de Ciência de São Paulo e fiz mestrado e doutorado em gestão da comunicação e do conhecimento na UFSC. Eu não estou fora. Participo ativamente nas mídias sociais, sites e artigos em jornais. E dou entrevistas às vezes em tv e rádio. Se me perguntarem se voltarei, com certeza. Já estou voltando às atividades no mercado, simultaneamente aos meus compromissos agradáveis na Unisul.

Ping - O senhor é diretor do UnisulHoje. Esse site se apresenta com o seguinte slogan: o jornal da universidade. A universidade é um conjunto formado por funcionários, professores e alunos, e os alunos somam o maior número de habitantes dos corredores e salas. Por que não encontramos no UnisulHoje notícias com um diferencial útil para os estudantes? Não estou falando de notas que informam datas e eventos. Refiro-me, por exemplo, a insatisfação dos universitários no que diz respeito ao custo das mensalidades. Por que isso não é notícia no jornal da universidade?

Sardá - Pois é, isto reflete a crítica de identidade do próprio jornal. No final dos anos 1980, na UnB, perguntei ao meu amigo Cristovam Buarque, então reitor, se não valeria a pena criar um jornal aberto às críticas de alunos, professores, servidores, etc. Ele riu e me respondeu brincando: “tás querendo me derrubar?” E olha que o Buarque é um dos homens mais íntegros e democratas deste país. Realmente é um paradoxo. A universidade é uma instituição de livre pensamento, de crítica etc. Aliás, me sinto muito bem em universidade há alguns longos pares de anos. Mas temos de admitir que a democracia no universo acadêmico é capenga, não por falta de meios de expressão, mas porque as universidades hoje não se preocupam muito com a renovação de lideranças políticas. Lembro-me que quando eu coordenava o Curso de Comunicação (Jornalismo, Publicidade e Cinema) havia uma turma irrequieta, que criou o jornal chamado Capenga. Por várias vezes fui pressionado a fechar o jornal, mas o mantive como espelho de uma juventude competente. E vingou. Não se trata de, hoje, os alunos gritarem contra isso e aquilo, mas de saberem expressar opinião sobre o que ocorre na universidade e no mundo.

Sardá recuperou o fôlego e emendou:


Infelizmente, as novas gerações são passivas, quem sabe porque o mundo se “desideologizou” e, com isso, perdeu-se o turbante de uma política de divisões claras, de posicionamento, etc. O que se vê hoje é o radicalismo religioso, uma ideologia islâmica que o próprio mundo desconhece a razão de suas reações (não confundir com crenças). Eu ainda vivo na perplexidade da compreensão da sociedade atual. Será que o mundo se resume às mídias que cada vez mais aceleram as relações? Será que o beijo será virtual? Diante de toda essa esquizofrenia, não temos nem coragem para nos olhar no espelho. Por que não expressar a sua agonia diante da enfermidade da mente poluída por tantas informações? Acho que vou estudar psicologia e montar uma clínica de esvaziamento de mente. E pode acreditar, que o desafio das terapias e psicanálises é o esvaziamento de mentes extravasando informações.

Ping - Nas grandes redações, os diretores têm muita responsabilidade sobre as notícias. Eles têm a voz que determina o que é publicável e derrubam assuntos editorialmente desprezíveis. São a penúltima instância, atrás apenas dos proprietários. Como o Sardá participa na elaboração do conteúdo veiculado no UnisulHoje? Qual o sua atividade nesse site?

Sardá - Não participo. O UnisulHoje tem um editor, com quem eu falo sempre.

Ping - O senhor acumula na Unisul, o cargo de diretor da Editora Unisul, sendo por conta disso uma sumidade em se tratando de comunicação nessa universidade. Que valor o trabalho na Unisul agrega ao seu currículo?

Sardá - Todos os dias meu currículo é tão enriquecido quanto a minha mente. Falar com professores, alunos, servidores, visitantes de outras universidades, conversas em restaurantes, leituras, etc.etc. constituem a soma diária do relacionamento dentro da universidade. O currículo de hoje não está no papel, mas na cabeça de cada um. Não adianta eu apresentar cinco folhas com tudo que eu sou e fiz e não ter conhecimento suficiente para provar a eficiência.

Ping - Na contra-mão, que valor a Editora Unisul agrega a vida das pessoas? Você leria os livros publicados por ela? Indicaria aos amigos não apenas porque saber que se eles comprarem um exemplar entrará um dinheirinho a mais no cofre da Editora? Cite publicações que mereçam a leitura, por exemplo, dos acadêmicos de jornalismo da Unisul.

Sardá - A Editora da Unisul deu um salto de qualidade nos últimos anos. Suas publicações não se resumem à pesquisa, que tem apresentado grandes e ricas obras. A Unisul foi a única universidade a trabalhar a história da literatura catarinense, com a belíssima pesquisa do professor Celestino Sachet, e tantas e inúmeras outras obras. No jornalismo há livros importantes, como Imprensa e Belle Époque, de Marta Scherer, sobre Olavo Bilac; Publicações de Elóy Simões e de tantos outros professores, como Mário Pereira que vai lançar outro livro pela Editora. Podemos dizer que a Editora da Unisul está entre as de melhor qualidade do Sul do Brasil e seus livros estão expostos e à venda nas grandes livrarias de todo o país. Capa do livro da Marta.

Ping - Em algumas ocasiões o leitor do UnisulHoje é surpreendido por um artigo seu sobre um assunto que está martelando a sua telha. Não existe uma periodicidade para isso. A última vez foi em 2012, quando você lamentou a morte do tio do amendoim. Além disso, você também possui cadeira cativa numa seleta turma de comunicadores do estado de Santa Catarina no site AcontecendoAqui. Como o Sardá se sente na posição de colunista, ou cronista?

Sardá - Parodiando o meu grande amigo Salim Miguel, no auge dos seus belíssimos 89 anos, posso dizer que só vou parar de sentir orgasmo quando não puder mais escrever. Escrever é expressar sentimentos, realidade, é viver compartilhando ideias. Se eu tivesse armazenado tudo o que escrevi, com certeza teria material para publicar 100 livros. Infelizmente um incêndio em minha biblioteca destruiu a minha história. Eu precisaria ir a bibliotecas do Rio, Brasília, São Paulo, Porto Alegre, Florianópolis e de outras cidades catarinenses para resgatar o que eu escrevi. Mas é impossível. Só lamento não ter mais tanto tempo para escrever. Cada artigo em torno de 2.500 caracteres me absorve cerca de 30 a 40 minutos. Logo, eu precisaria de meio período para me dedicar à produção de artigos e o outro período para leitura e pesquisa. Só que a vida não me reservou essa alegria. Só o meu amigo Sérgio da Costa Ramos consegue ter esse privilégio.

O jornalismo em questão

Ping - Também no livro Da Olivetti à internet, há uma sequência de artigos seus, em que os profissionais de redação daquele momento são mostrados como imediatistas, nada analíticos, enfim, que escreviam textos ruins, nem o feijão com arroz da dona de casa é tão pobre. Por que não avançamos nesse sentido? Os jornais servem o que o público quer ler? Por que a própria audiência não abandona a leitura dos jornais já que eles diariamente insistem em ser carentes?

Sardá - Vivemos uma acentuadíssima crise existencial no jornalismo. Se os jornais publicassem o que o povo quer realmente ler, as tiragens não estariam vertiginosamente caindo. Eu culpo as escolas de jornalismo por estarem de olhos fechados para essa realidade. Os jornais se espelham mais no desempenho comercial para enxergar os equívocos jornalísticos. As redações estão tão perdidas que fazem balões de ensaio dentro de quatro paredes para ver se acertam. Apelam para as inovações proporcionadas pela mídia social. A alternativa hoje, sinceramente, seria a consciência dos donos de jornais de que é preciso desacelerar os jornalistas. O furo de reportagem já era e os jornais não podem publicar no dia seguinte as mesmas informações que invadiram a internet. É preciso inovar com novidades de conteúdo e não gráficas. Ninguém compra um chocolate pelo layout do embrulho. Até pode, mas se não gostar joga no lixo. A pobreza do jornalismo está espelhada nos jornais diários. Enquanto não nos conscientizarmos de que não podemos competir com a internet, continuaremos no Titanic da ilusão.

Ping - Como professor você poderá contribuir para que os jornalistas de um futuro próximo sejam profissionais críticos, contextualizadores, historiadores. Receio que ainda assim, a lógica das redações os impeça de levar ao leitor matérias épicas. Os alunos têm como não enlouquecer diante de tal perspectiva? É possível praticar na grande mídia um texto impecável como o senhor propõe e mais do que isso reivindica?

Sardá - O problema na mente dos editores e na abominável autocensura dos redatores e repórteres. Um bom texto, contextualizado e consubstanciado tem espaço em qualquer jornal. Só que o jornalista acha que precisa ser melhor no "dedógrafo", escrevendo rápido, do que da cabeça. Ele quer escrever com velocidade e não com competência. Quantas matérias sobre Florianópolis podem ser lidas como se fossem de Porto Alegre ou de São Paulo? Não há contextualização. O jornalista precisa conhecer o tema sobre o qual vai escrever. Já vi jornalista entrevistando o prefeito e repetir temas por estar com informações defasadas em relação à cidade. Você constrói uma boa casa com bom material. Você constrói bons textos com boas informações e conhecimento. Não acredito em mudança sem o jornalista ler, aprender e pesquisar. Tem que tirar a bunda da cadeira.

Ping - A universidade é a primeira fonte de conhecimento dos jornalistas. Entretanto, não são raros os bem-sucedidos profissionais que a mencionam como um lugar bom para conhecermos outras pessoas da área e fazermos network. Outros, defendem que ela apenas dá a base, mostra o caminho e finalizam: é na prática que se aprende realmente. Você, que hoje investe horas da rotina em função da universidade, está de acordo com isso? É porque as lições da universidade são deixadas de lado que vemos a imbecilização da imprensa brasileira?

Sardá - Aí se constata também, com humildade, que a própria universidade brasileira está extremamente defasada em relação ao conhecimento da comunicação. É comum ver em programas curriculares bibliografias dos anos 1960, 1970, como se não houvesse discussões novas na área. A grande questão está no duelo entre o novo e o velho. Enquanto o novo está perdido no oceano da tecnologia revolucionária – a internet -, o velho insiste em achar que a sua metodologia e técnicas são imprescindíveis à sobrevivência do novo. Isso é puro delírio. Quando a TV surgiu no final dos anos 1950, todos diziam que o rádio morreria. O rádio se reciclou e passou as pernas na TV. E hoje? A internet vai derrubar o jornal impresso? Não sei, mas não vejo o jornalismo se reciclar para competir e vencer esses desafios. Não podemos, a esta altura, insistir com conceitos seculares. O mundo é outro. O primeiro jornal impresso surgiu no ano 1637, quase dois séculos após a invenção de Gutenberg. A primeira máquina impressora, a rotoplana, só surgiu no final do século XIX e a offset na década de 1950. As composições a frio em computador manual surgiram nos anos 1970. E veja uma coisa: levamos de Gutenberg à offset quase 400 anos e da offset à internet menos de 30. Fomos impactados, aliás, continuamos impactados por uma revolução permanente da tecnologia. Com isso, estamos num oceano perdidos, sem salva-vidas, tentando enxergar um pedaço de terra firme. A maior imbecilidade é não querer entender que o mundo lá fora mudou e que o jornalismo está achando que o tamanduá é que tem razão: precisa estar com a cabeça entulhada no buraco para encontrar formigas.



Imagens 1 e 3 cedidas pelo entrevistado de seu arquivo pessoal

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