sexta-feira, 7 de setembro de 2012

A vida e a morte de João Ninguém

Uma crônica sobre devaneios, existencialismo, lembranças e, sobretudo, sobre a vida e como ela é uma passageira apressada. 

Ao levantar da cama numa manhã sonolenta, o rapaz desarrumado vai à passos lentos até a porta mais próxima. Tinha um nome, mas era mais conhecido como João Ninguém. Ao chegar até a porta, ele abre e ouve o rangido habitual que ela faz. Vai para frente do espelho velho e com rachaduras nos cantos e fica minutos, vagarosos minutos, olhando seu próprio reflexo. Não por vaidade, muito pelo contrário. A auto-estima de João não é das mais altas. Ele se observa, quase que hipnotizado, para o seu rosto, pouco notado nas ruas. Ele faz uma reflexão pura sobre a sua vida ao olhar atento de seu reflexo.

Sua vida passa sob os seus olhos distraídos como se estivesse prestes a morrer, naqueles flashbacks antes do óbito que vemos em filmes e histórias de ficção. Sua vida, até o presente momento, não foi boa, mas também não foi ruim. Era uma vida simples coberta por uma mente complexa.

Lembrou-se da época de infância, jogando bola na vizinhança. Bons tempos... E a vez que caiu da laranjeira ao tentar escalá-la como se fosse o Monte Everest. Os joelhos ralados são expressões mais puras de uma infância intensa e maravilhosa. A insistência foi tanta, que caiu uma segunda vez. Na época, ficou com raiva e chutou a laranjeira. Hoje, João percebe que cair dela fazia parte de todo um aprendizado.

Depois, lembrou se dos amores platônicos da adolescência... "Ah, como aquela garota da terceira fileira era linda." As notas baixas refletiam a concentração ínfima nas aulas, sua atenção era voltada para sua vontade de conseguir realizar as suas fantasias juvenis, que acabaram não sendo concretizadas por conta de uma timidez quase sempre confundida com esnobação.

No começo da fase adulta, se sentia sozinho a maior parte do tempo. Poucos amigos, muito estudo e trabalho. Sua vida meio que parou no tempo e, desde então, João Ninguém parou de viver e, hoje, ele se olha no espelho se perguntando como isso foi acontecer. Mas, ao mesmo tempo, se lembrava com prazer dos bons momentos que outrora tivera.

Depois de uma boa lavada de rosto, aproveitou que era domingo e foi para a quarto para ligar a TV e tentar relaxar. Mas uma visita inesperada estava à espera na cama.

- Quem é você? - Pergunta João, surpreso. Era uma moça misteriosa, com unhas longas e pintadas de vermelho, lábios igualmente vermelhos. Cabelos negros e na altura dos ombros. Olhos escuros como dois buracos negros. Ela deu uma risada tímida, ao ser indagada, e respondeu.

- Como você não soubesse... 

- E não sei mesmo! - Clamou, de forma ríspida. Estava furioso com a invasão de sua propriedade, mas, simultaneamente  estava ansioso, excitado, como se ele quisesse ser surpreendido.

- Eu estou te esperando. Eu estive do seu lado por um bom tempo. Está preparado?

Sem entender, João gagueja confuso e envergonhado. Não consegue pronunciar uma palavra, como se todo o seu vocabulário tivesse fugido abruptamente.

- Querido... - Disse a mulher. - Eu sou a Morte.

João ficou branco e disse, com a voz baixa e trêmula.

- M-m-mas já... E-eu t-tenho muito para viver ainda...

- João. Você não percebeu. O tempo passou e você já viveu. Você, aliás, é uma pessoa vitoriosa. Viveu, sob todos os problemas, e superou tudo isso! Você teve uma vida próspera. E não fique com medo ou triste, você vai por causa do ciclo natural da vida. Ao partir, uma nova vida será gerada no mesmo momento.

As luzes se apagaram. João e a Morte partiram para o além, após um jogo de xadrez que foi a vida, a Morte sempre dá o xeque-mate . João Ninguém nunca existiu, mas sua história, paradoxalmente, sim.

Felipe Kowalski

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