quarta-feira, 11 de julho de 2012

O Diário de Sônia

Uma viagem pelo mundo e um olhar atento sobre aquecimento global na voz de Sônia Bridi

- pô, foi mal, aí. Cadê o fog? Esse céu azul acabou com o clima de Londres.
Fico rindo sozinha. O fog era, na verdade, smog, partículas de poluição em suspensão, do mesmo tipo que existe hoje na China. A Inglaterra conseguiu limpar seu ar durante os anos 1950, e a neblina agora é só eventual, provocada pelo clima e não mais pela sujeira. Mas aqui, neste dia lindo, só desejo que os ingleses, os inventores da Revolução Industrial que começou todo esse progresso que agora ameaça o planeta, mobilizem forças para a revolução verde. (BRIDI, Sônia; Diário do Clima: Efeitos do aquecimento Ed. Globo Livros, 2012. cap. 7, p. 69)
255 páginas de uma viagem por 14 países do globo, nos cinco continentes. Diário do Clima, da jornalista Sônia Bridi, leva o leitor a esses países sem levantar do sofá da sala e mostra os efeitos do aquecimento global na vida social, política e econômica desses lugares. O livro é um alerta para os excessos humanos em um mundo que ainda não aprendeu a ser sustentável. Contudo, não deixa de ser, também, uma denúncia ao consumismo desregrado e a falta de políticas firmes que promovam uma Revolução Verde.
As páginas do diário surgiram da série especial para o Fantástico feita por Sônia e seu marido, o cinegrafista Paulo Zero. ChamadaTerra, que tempo é esse? a série de reportagens mostra como os países já sofreram ou estão sofrendo com as mudanças climáticas. Escrito em primeira pessoa, o Diário do Clima (Efeitos do aquecimento global: um relato em cinco continentes) diminui as fronteiras do mundo.  Hoje, no seu lançamento aqui em Florianópolis, o Estopim entrevista Sônia Bridi. Ela fala sobre o livro, suas experiências mais marcantes e o aquecimento global.
Estopim: Sônia, o que levou você a escrever o livro Diário do Clima?
Sônia Bridi: Foram muitas viagens cheias de aventuras e descobertas, achei que deveria contar esses "causos".
Estopim: O livro é de fato um diário seu. Bastante descritivo, ele mostra suas percepções, emoções e ações. Você acha que o tipo de linguagem usada e maneira como você aborda o aquecimento global deixa esse tema mais interessante e atrativo ao leitor? Você pensou nisso quando escreveu o livro?
Sônia: Se nos propomos a tarefa de escrever um livro, claro que pensamos em deixá-lo numa linguagem que as pessoas achem interessante,  fluida. Não é um livro para doutrinar, incomodar, convencer. É apenas um diário de viagens, no qual relato tudo o que descobri e senti ao fazer uma série de reportagens para o Fantástico. O livro está à venda há três semanas, e agora já estou recebendo cartas de leitores que dizem estar se deliciando com as viagens, que se sentem viajando comigo. Fico feliz de ouvir isso, porque é exatamente o que eu busquei - levar o leitor comigo nas viagens, tanto geográficas quanto de descobertas e conhecimento.
Estopim: Dos países que visitou, qual lhe pareceu mais afetado pelas mudanças climáticas? Por quê?
Sônia: Bolívia e Peru, nos Andes. Lá o degelo dos Andes tropicais já começou e inviabiliza a agricultura em algumas regiões. É uma coisa triste de ver. E os cientistas preveem que em 15 a 20 anos não haverá mais gelo nos Andes tropicais abaixo dos 5.200 metros de altitude.
Estopim: Quando exploramos as páginas do seu livro temos, não só uma explicação sobre o aquecimento global, como também aulas de história, geopolítica e cultura. Para fazer a série do Fantástico e, posteriormente, escrever o Diário do Clima houve muitas pesquisas e  estudos sobre os lugares visitados? Qual e como foi o tempo de preparação para essas viagens?
Sônia: Estudo muito, eu adoro geografia, geopolítica, antropologia. Então quando estou me preparando para ir a algum país leio tudo o que consigo. Pesquiso muito. Quando propus a série, já sabia muito de cada lugar, já havia feito uma pesquisa prévia. Depois, foram quatro meses entre a aprovação e a primeira viagem. E sempre levo para ler no avião, como leitura de viagem, algum livro de literatura, um romance ou contos, de autores do lugar, ou que foram baseados no lugar. É uma boa forma de entrar em contato com a cultura local, e é prazeroso. Adoro ler.
Estopim: Qual(ais) experiência(s) foi(ram) mais marcante(s)?
Sônia: Subir o Kilimanjaro foi uma experiência que certamente vou ter prazer em relembrar e contar para meus netos. Me propus a fazer uma  coisa acima das minhas capacidades, e corri atrás para me preparar.  Descobri que na verdade é mais um desafio mental do que físico - mas só quando o seu corpo chega ao extremo da fadiga, quando não sobram forças, que a gente se dá conta que está sendo movida só pela vontade.
Estopim: Como acontecia o contato com as pessoas, as entrevistas e conversas?
Sônia: Entrevistas são iguais, aqui no Brasil ou no Butão. Sempre digo que o correspondente internacional é apenas um repórter com endereço no exterior. Precisar de tradutores é que é ruim, porque eles filtram muito a conversa. Quando é inglês, espanhol, italiano ou francês, me viro sozinha e permite ter uma conexão maior com as pessoas, mesmo que volta e meia me falte uma palavra mais precisa, uma expressão. Com o tradutor, é difícil. Mesmo assim, vivi  experiências incríveis me relacionando com gente com as quais não  tinha nenhum traço cultural, racial ou de linguagem em comum. Gente é gente em qualquer lugar.
Estopim: Há um personagem que ficou mais marcado para você?
SôniaMe impressionaram muito os agricultores do sudoeste da Austrália.  Eles estão enfrentando uma seca colada na outra por causa das mudanças climáticas, mas, como sempre negaram que o aquecimento global existe, acabam tomando o fracasso das colheitas como derrota pessoal, fracasso individual. É muito triste. Eles não estão perdendo apenas a fonte de renda. Estão vendo suas convicções desmoronando diante deles. Há um grande índice de suicídio entre os fazendeiros e muitos estão em tratamento com antidepressivos.
Estopim: Como você enxerga as discussões sobre o aquecimento global? São animadoras ou ainda precisamos trabalhar muito para ter um nível de conversa bom ao ponto de solucionar o problema?
Sônia: As duas coisas. Hoje é mais fácil conversar sobre o assunto porque as pessoas em geral estão melhor informadas. Mas há um caminho imenso pela frente. As cidades precisam se planejar para as mudanças climáticas, precisamos reduzir emissões, mudar alguns hábitos. Mas não acho que o caminho para uma vida sustentável seja viver sem conforto. Pelo contrário, basta usar bem a tecnologia a nosso favor.
Estopim: A quê você atribuiu o fato de as discussões sobre a revolução verde terem esfriado e ficado um pouco de lado nos últimos meses?
Sônia: Como dizia o assessor do presidente Bill Clinton, é a "economia, seu burro". Em tempos de crescimento econômico medíocre ou recessão nos países ricos, inventam-se desculpas mil para não agir, porque no caso deles agir significa botar a mão no bolso. Mas há progressos por outras vias. A suprema Corte americana considerou legal a decisão do Departamento de Saúde dos EUA que considera o aquecimento global um risco à saúde das pessoas. Com isso, as atividades que emitem gases de efeito estufa podem ser reguladas pelo governo. Os Estados Unidos têm a maior emissão per capita do planeta, qualquer redução lá tem impacto muito grande.
Estopim: Para fechar, esse é o seu segundo livro. Quais suas expectativas de retorno em relação a ele?
Sônia:  Se você fala em venda, nenhuma. Não escrevi pensando em ganhar dinheiro. Por outro lado, tenho uma grande expetativa com relação ao retorno que recebo dos leitores. É uma tremenda injeção de energia boa. Outro dia, durante o lançamento em São Paulo, uma mulher veio  pegar o autógrafo trazendo os filhos, gêmeos de 8 anos. Me disse que  o meu livro anterior, o Laowai ( histórias de uma repórter  brasileira na China, editora Nossa Cultura) , havia devolvido a ela o prazer da leitura. Quer coisa mais linda para se ouvir?
Thaís Teixeira

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