Meu pai coleciona cartões postais. São mais de 200 mil, catalogados e armazenados em caixas de sapato. Além disso, ele é dono de uma agência de turismo, ramo em que trabalha há cerca de 20 anos. Já viajou para os Estados Unidos, para a Europa e para um dos países mais curiosos do mundo, a Rússia. Minha mãe é geógrafa e, portanto, uma apaixonada pelo planeta Terra. Já se aventurou pela Europa, pelo Chile e pela exótica e fascinante Turquia. Minha avó tem 66 anos. Aos 55 anos ela percorreu, a pé e sozinha, 800 km entre a França e a Espanha, o famoso Caminho de Santiago. Já viajou para Jerusalém, para diversos países europeus e para os EUA. Agora você compreende a minha necessidade quase vital de viajar, não é? Tá no sangue e ponto final.
Na época que eu viajei para o Canadá, muitas pessoas me perguntaram se os meus pais não ficaram com medo de me deixar ir sozinha para um país estrangeiro com apenas 16 anos. Totalmente tranquilos eles não ficaram, é claro. Mas como bons viajantes, eles sabiam que eu iria aprender muito sobre as pessoas e sobre o mundo.
Lembro de estar mexendo na minha mochila, logo antes do início do voo de 11 horas até Toronto, quando encontrei um pedacinho de papel dobrado, com o meu nome. Era uma carta do meu pai. Já devo alertá-los que meu pai é bem coruja, daqueles que chora quando a gente fica muito tempo longe e morre de saudade. Ele dizia que estava muito orgulhoso de mim e que queria ser um passarinho pra ver a minha reação diante daquele mundo tão diferente que eu estava prestes a conhecer. Mas também me alertou sobre as pessoas de má fé, que existem em qualquer lugar do mundo. Na última frase, ele me disse pra aproveitar ao máximo aqueles trinta dias, porque eu jamais os esqueceria.
Duas semanas depois do desembarque no aeroporto de Montreal, aconteceu uma coisa incrível comigo. Até hoje, quando eu conto essa história, eu me arrepio. E as pessoas custam a acreditar. Mas juro que é verdade. Era uma quinta-feira. Como de costume, o nosso grupinho de amigos tinha ido jogar boliche no Pepsi Forum, um estádio de hóquei que foi transformado em um centro de entretenimento com mais de 15 salas de cinema, boliche, bar, sinuca e restaurantes. Jogamos boliche até tarde naquele dia. Mas estávamos tranquilos, já que do outro lado da rua tinha uma estação de metrô. A gente achava que o metrô funcionava 24 horas, mas bem, não é assim que funciona.
Quando saímos do boliche, o metrô estava fechado. Pedimos informação e descobrimos que tinha um ônibus noturno dali alguns minutos. Entramos nele. Depois de um tempo os meus amigos começaram a descer e as outras pessoas foram descendo também, mas eu não estava identificando aquelas ruas. Eram duas da manhã. De todos os meus amigos, eu era a que morava mais longe, no bairro de La Salle. Quando fiquei sozinha no ônibus, só com o motorista, me desesperei. Perguntei pra ele, numa voz chorosa, se ele estava perto da 90ª rua, que era onde eu sempre pegava o ônibus de manhã. Ele não entendeu o nome da rua e pediu pra eu repetir. Falei mais devagar e ele me disse que não passaria por ali. Na hora, pensei em descer no primeiro ponto e ligar para a minha família canadense, mas fiquei com receio de incomodá-los.
O motorista logo percebeu meu desespero e uns dez minutos depois, ele me deixou no ponto da minha rua, que era totalmente fora da rota que ele deveria fazer. Agradeci várias vezes e ele disse que o meu inglês era muito bom, mas que eu deveria treinar mais os números ordinais. E deu um sorriso. Corri pra casa, tomei um banho e deitei, ainda incrédula. Em que outro lugar do mundo um motorista de ônibus mudaria de rota para ajudar um passageiro? Acho que foi aí que me apaixonei pelos canadenses.
Bruna Carolina
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